Mulheres do Sul Global se unem pela Justiça Climática na Cúpula Social do G20

diciembre 17, 2024

Por Paula Moreira, gerente de programa, e Danielle Almeida de Carvalho, oficial de projetos, do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) no Brasil.

Eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes em todo o mundo. Seja a atual seca na Amazônia, que devasta comunidades indígenas no Brasil, Bolívia, Peru e Colômbia. Ou as enchentes no Níger, Chade e Mali que mataram mais de mil pessoas. Ou ondas de calor que chegam a 50°C no norte da África. A crise climática é real e atinge mais duramente as populações mais vulneráveis do mundo porque elas têm menos recursos para lidar com ela.

Um pouco de contexto

Para entender adequadamente por que as populações do Sul Global são as mais afetadas, precisamos ver a crise em seu contexto: séculos de dominação colonial, escravidão, opressão e marginalização, justificados pela supremacia branca e pelo patriarcado, e amplamente motivados por interesses comerciais. Quando entendermos que a mudança climática também é uma crise das estruturas de poder existentes entre o Norte Global e o Sul Global, poderemos definir uma abordagem muito mais eficaz para combatê-la.

E essa abordagem consiste em trabalhar lado a lado nas arenas de tomada de decisão com as pessoas mais afetadas. Essas são as populações mais bem posicionadas para contribuir com o debate e vislumbrar soluções para o enfrentamento da crise climática. Especialmente nas áreas de justiça climática, financiamento climático transparente e soluções climáticas baseadas em conhecimentos tradicionais e ancestrais. Nessas áreas, a participação de países como Brasil, Uganda e Tunísia, que têm desafios semelhantes e histórias coloniais, é essencial e se tornará cada vez mais importante. O mesmo pode ser dito dos movimentos sociais de justiça climática e da sociedade civil como um todo. E, é claro, para as mulheres e os afrodescendentes do Sul Global. Eles enfrentam os maiores impactos das mudanças climáticas e têm sido historicamente discriminados e marginalizados dos processos de tomada de decisão.

 

G20 Social: papel e liderança das mulheres do Sul Global

 

Com isso em mente, a Hivos, o Instituto Equit, a Akina Mama wa Afrika e a Acesa organizaram um painel na Cúpula Social do G20, em novembro, no Rio de Janeiro, chamado “Transição justa e emergência climática: O papel e a liderança das mulheres do Sul Global”. Cinco mulheres inspiradoras subiram a essa plataforma para discutir soluções climáticas inovadoras lideradas por mulheres e destacar o papel da justiça social na ação climática.

Graciela Rodrigues, coordenadora do Instituto Equit, deu início à palestra com um discurso sobre política externa feminista e como enfrentar o ultraliberalismo econômico – uma grande causa da pobreza e da injustiça climática – no contexto do G20 e do BRICS. Ela enfatizou a necessidade de políticas de trabalho de cuidado na agenda econômica global, ao mesmo tempo em que alertou os movimentos sociais e de libertação sobre a necessidade de estabelecer estratégias para combater novas formas de capitalismo e opressão.

Em seguida, ouvimos mulheres que lideram soluções climáticas em comunidades locais. Marcela Toledo, do Instituto Decodifica, parceiro da Hivos G2C2, apresentou iniciativas de energia solar lideradas por mulheres na periferia do Rio de Janeiro como uma solução para a autonomia energética da comunidade. Vanessa Cristina, da Acesa, parceira da Hivos VAC, compartilhou práticas ancestrais lideradas por mulheres na região do Médio Mearim, no Maranhão. Descendente de gerações de quebradeiras de coco, Vanessa explicou a prática ancestral da colheita de palmeiras de babaçu, ricas em óleo, que se assemelham a cocos. Feita pelas mulheres, a colheita também serve como uma forma de organização social e mobilização política para proteger seu território contra ameaças externas, como a expansão urbana e o avanço do agronegócio e sua pulverização aérea de pesticidas.

Essia Guezzi, da Tunísia, falou sobre as mulheres que lideram soluções climáticas locais na Tunísia para superar o domínio do patriarcado e do capitalismo nos sistemas alimentares, como a manutenção de sementes indígenas. Essia descreveu a situação da pesca e da agricultura na Tunísia e como os interesses da pesca industrial e o crescimento urbano estão destruindo a pesca e a agricultura artesanais, em grande parte praticadas por mulheres.

A última palestrante, Faith Lumonya, da Akina Mama wa Afrika, uma parceira global do VAC, falou sobre como e porque a economia e as soluções das mulheres são importantes para a justiça climática. Um ponto importante que ela destacou é que uma “transição justa” é normalmente vista da perspectiva do Norte Global. As antigas potências coloniais estão impondo agendas ambientais e climáticas às antigas colônias que, em alguns casos, ainda não têm acesso à eletricidade. Isso torna impossível falar sobre uma transição justa. Faith enfatizou que, para lidar com a crise climática, é necessário reconhecer que nossos sistemas econômicos globais e estruturas de poder são legados do colonialismo orientado para o lucro e do comércio de escravos. E, atualmente, eles ainda são impulsionados pela privatização, desregulamentação e liberalização do comércio, que colocam os lucros acima das pessoas e do planeta.

O caminho a seguir após o G20

O G20 chegou a vários acordos importantes com o objetivo de enfrentar os desafios globais, especialmente aqueles que afetam as mulheres e as comunidades marginalizadas. Chegou-se a um consenso sobre a necessidade de tributar grandes fortunas, combater a fome, acabar com as guerras e estabelecer diretrizes e regulamentações éticas para a inteligência artificial. Também foi assumido um forte compromisso de tomar medidas mais decisivas contra a violência contra as mulheres e melhorar as estruturas legais e os sistemas de apoio aos sobreviventes.

No entanto, o G20 opera em uma estrutura de desequilíbrios de poder e representação desigual, muitas vezes deixando de lado os interesses e as vozes das comunidades marginalizadas e do Sul Global. Sem abordar essas falhas estruturais, ele corre o risco de perpetuar as próprias desigualdades que busca resolver. O chamado G20 Social, uma tentativa da presidência brasileira de organizar um espaço especial para a participação da sociedade civil, acabou sendo muito limitado. Mas as organizações também organizaram eventos independentes. A ‘Cúpula dos Povos vs. G20’, uma iniciativa espontânea e autêntica, contornou os espaços limitados do G20 organizando um Tribunal Internacional dos Povos contra o imperialismo.

A Hivos continua comprometida em apoiar a liderança das mulheres e os esforços dos movimentos liderados por mulheres. Estaremos em peso na Marcha das Mulheres, em 25 de março de 2025, que é uma plataforma crucial para aumentar a conscientização e defender os direitos das mulheres, soluções climáticas e justiça de gênero. Na COP30, em Belém, em novembro, continuaremos a defender a justiça climática e, ao mesmo tempo, ampliaremos as vozes das mulheres do Sul Global na tomada de decisões sobre o clima.